Perigo Invisível: Os fármacos “inofensivos” que podem levar ao coma e morte. Dr. Julio Pereira – Neurocirurgião São Paulo – Neurocirurgião Beneficência Portuguesa

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No cenário da toxicologia clínica e forense, a mortalidade associada à intoxicação exógena medicamentosa não é, em sua maioria, decorrente de reações idiossincráticas imprevisíveis, mas sim da administração de fármacos com janela terapêutica estreita e potente ação no Sistema Nervoso Central (SNC). Estatisticamente, os analgésicos opioides (como morfina, oxicodona, metadona e fentanil) lideram os rankings globais de letalidade. O mecanismo fisiopatológico do óbito é estritamente neurogênico: a ligação excessiva aos receptores mu-opioides no tronco encefálico inibe o centro respiratório bulbar, dessensibilizando-o à hipercapnia (aumento de CO2). O resultado é uma bradipneia progressiva que evolui para apneia central, culminando em anoxia cerebral irreversível e colapso cardiovascular secundário.

Em segunda instância, devemos destacar os benzodiazepínicos e hipnóticos (como clonazepam, diazepam e zolpidem), amplamente prescritos na prática clínica. Embora possuam um índice terapêutico mais seguro isoladamente quando comparados aos barbitúricos do passado, sua letalidade dispara exponencialmente no contexto de polifarmácia. A interação farmacodinâmica sinérgica com álcool ou opioides potencializa a transmissão GABAérgica inibitória, rebaixando o nível de consciência (Escala de Coma de Glasgow < 8). Nesses casos, a morte ocorre frequentemente não apenas pela parada respiratória direta, mas por complicações secundárias à perda dos reflexos de proteção de via aérea, resultando em broncoaspiração maciça e pneumonite química fatal.

Não podemos negligenciar a classe dos antidepressivos tricíclicos (como amitriptilina e nortriptilina), que, apesar da introdução dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), ainda causam óbitos severos. A toxicidade destes agentes é multifatorial e devastadora: além do rebaixamento do sensório e precipitação de crises convulsivas (status epilepticus) por ação direta cortical, eles exercem um bloqueio dos canais de sódio cardíacos. Isso gera arritmias ventriculares refratárias e hipotensão grave, criando um cenário de choque cardiogênico misto onde a ressuscitação se torna extremamente complexa, muitas vezes levando à morte antes mesmo da estabilização neurológica.

Por fim, é imperativo mencionar os riscos associados ao uso inadequado de anticonvulsivantes (como fenobarbital e carbamazepina), ferramentas diárias do arsenal neurocirúrgico. A superdosagem destes fármacos pode induzir desde ataxia cerebelar aguda até o coma profundo com supressão da atividade elétrica cerebral. A análise técnica destes óbitos revela que a maioria é prevenível e decorre da automedicação ou da falha no monitoramento sérico. Para o neurocirurgião, o entendimento da farmacocinética e da potência depressora destes agentes é vital, pois a linha tênue entre a eficácia terapêutica e a encefalopatia tóxica fatal reside na precisão da prescrição e na vigilância contínua.